Retratos de outra beleza
Fotógrafa faz da busca de si mesma caminho que a leva a retratar pessoas trans com olhar de afeto e respeito
- Por Inês Castilho -
Foi uma experiência transformadora para a fotógrafa e para os fotografados. Depois de verem a própria imagem pelo olhar de Diana Blok, ficou mais simples para as lésbicas, gays, travestis, transexuais e transgêneros retratados por ela encontrar beleza e aceitação social em seus corpos transitivos. O projeto Eu te desafio a me amar , desenvolvido no Rio de Janeiro e em Brasília pela fotógrafa, parece ter alcançado sua meta.
As imagens e depoimentos, tomados entre 2013 e 2014 de aproximadamente 40 pessoas – a maioria ( la mitad viene de areas periféricas, la outra mitad son profesionales. Es bueno mencionar esto porque tambien en la classe media y alta hay mucha descriminacion) anônima de áreas periféricas e algumas celebridades como Jean Wyllys e Ney Matogrosso – falam sobre a fluidez do desejo, a identidade sexual e a diversidade das relações afetivas no Brasil. Passam uma atmosfera amorosa e nos convidam a ampliar a aceitação do Outro - aquele que escolhe seguir um caminho diverso do seu e do padrão social dominante. O projeto resultou em exposições, um livro e um filme em finalização.
Antes, Diana Blok já havia realizado esse trabalho na Turquia. “São muito semelhantes as dificuldades vividas por eles e elas, lá como aqui. Especialmente os travestis”, conta. O projeto se desenvolveu quando era debatida a possibilidade da Turquia integrar a União Europeia, e uma das questões colocadas eram os direitos humanos dos gays no país.
“Em 2007 consegui recursos e uma jovem turca, aluna do curso que eu dava na universidade, foi comigo como assistente. Já havia em grandes cidades do país muitos travestis, bares. Em Istambul tinha uma organização LGBT muito pequena, não quiseram cooperar porque tinham tido experiências muito negativas com a imprensa. Já em Ancara, duas pequenas ONGs de travestis abriram muitas portas para nós. Travestis lindas, prostitutas de profissão. Ainda hoje somos muito amigas.”
Lá como cá, as travestis são rechaçadas no mercado de trabalho e ganham a vida na prostituição. “Poucas conseguem ser outra coisa, no Brasil também. Sofrem muita violência, mortes. Mas são tão corajosas, têm senso de humor, e convivem juntas em casa, criam um mundo muito particular e fascinante.”
Fotografia e identidade
O tema tem tudo a ver com a busca de identidade da própria fotógrafa. Diana nasceu no Uruguai, filha de mãe argentina e pai holandês, diplomata de profissão. Assim, viveu com a família até os 8 anos na Colômbia, na Guatemala até os 17 e depois, já moça, no México. Foi quando, prestes a entrar na universidade, escolheu morar em Amsterdã, na Holanda, da cultura paterna – onde vive até hoje.
“Estávamos no começo dos anos 70 e eu aspirava à liberdade pela qual jovens de todo o mundo se levantavam. Desejava a liberdade de ser – o que, àquela altura, era difícil de encontrar na América Latina. Eu já havia visto muita violência política na Guatemala e na Colômbia, e as mulheres não podiam sequer sair sozinhas, tinham de se casar, e eu não desejava fazer isso. Então fomos para a Holanda, eu e minhas três irmãs, em busca de uma vida mais livre.”
Alguns anos depois, a jovem latina começou a fazer autorretratos. “Era uma forma de autoconhecimento. Dividida entre as culturas latina e europeia, metade judaica, metade católica, tendo vivido em tantos países, para mim era tudo bastante complexo, e eu tentava aclarar essa complexidade pela imagem.”
A fotografia e a aceitação da diversidade sexual e de gênero vieram juntas para Diana. “Por meio do autorretrato e ideias cênicas em frente à câmera, comecei a descobrir minha identidade. As fotografias espelhavam minha psique, e, ao refletir sobre elas e torná-las públicas, transformavam-se em chaves que me permitiam abrir portas ao mundo externo. Com o reconhecimento de meus autorretratos como arte, eu podia existir e continuar a explorar minha identidade sexual.” ( no solo sexual, espiritual também… viaje muitas vezes a la India y Nepal en los anos 80)
Diana recorda que esse era um momento interessante na fotografia na Europa. Eram ( antes de los tiempos del snapshot, experimentabamos con mis en scene, performance, efectos teatrales) os tempos da fotografia snapshot – registro instantâneo do cotidiano http://www.artecapital.net/scope-4-paula-figueiredo-snapshot-imagens-privadas –, de Robert Mappelthorpe, https://pt.wikipedia.org/wiik/Robert_Mapplethorpe
de
Nan Goldin. Também se discutia-se muito a questão de gênero, a emergência dos gays.
“Eu precisava das fotografias e elas precisavam de mim. Eram, e continuam a ser, uma testemunha do meu próprio processo de aceitação”, conta. “Hoje, reconheço esse processo como a minha 'saída do armário' visual, que gradativamente fez-se translúcida e motivou o conceito 'ativismo visual'. Sou ativista para a diversidade, tudo que está fora da caixinha, acho saudável essa diversidade.”
Identidade feminina
Foi ainda uma maneira de explorar e descobrir sua identidade de mulher. “Me dei conta de que podia nascer fisicamente mulher, mas de alma não. Que muitos gêneros podiam coabitar neste mesmo corpo, com a androginia.”
Para Diana, o mundo das mulheres é misterioso. “Ser terra, dar à luz, a possibilidade de ter filhos dá às mulheres uma capacidade de proteção da vida enorme! Os homens podem ter filhos e ir embora.” Uma visão essencialista, que pode ser alvo de críticas. Mas também a visão do taoismo, do yin que se engendra em yang e vice-versa. O caminho. “Há misturas, prossegue Diana, mas a qualidade de ser menina é amar, cuidar desse mundo físico. O homem é mais céu, cabeça, pensamento. E há a androginia, quando feminino e masculino estão em harmonia dentro da pessoa, idealmente de todo o mundo.”
Beleza interior
Em suas fotografias, Diana busca ver através do corpo, ao comunicar-se com as pessoas. A atmosfera afetiva e de confiança que conseguiu criar nesses encontros transpira das imagens.
“A intenção é que a pessoa se sinta bem comigo, fique relaxada, não faça pose diante da câmera. A comunicação é meio improvisada, mas procuro me manter com a energia aberta. Busco elementos da beleza que percebo nessa pessoa – não a beleza da mídia, a beleza interior.” ( uso casa sempre luz de dia, calidad de la luz es importante, y também el tiempo.. trabajo lentamente, no tenho gran production.)
Além das fotos, gravou em vídeo conversas que se transformaram num filme, a ser finalizado em abril e exibido em festivais. O projeto foi financiada pelo governo holandês, com apoio da ONU Mulher e do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos http://www.inesc.org.br/ – gente comprometida com direitos humanos. As fotos foram expostas na sede da Anistia Internacional, no Rio de janeiro, acompanhadas de debate, e para a comunidade da favela do Maré. Já em Brasília mereceu uma grande exposição no MUSEU (nome exato). ( Museo Nacional del arquitecto Niemeyer)
( interesante es que Holanda financio el proyecto porque Brasil es declarado pais de prioridad en Naciones Unidas por su alto grado de violencia y descriminacion contra LGBT)
“A exposição principal teve falas dos deputados federais Jean Wyllys e Erica Kokay, e foi vista por cerca de 500 pessoas – embaixadores, travestis, prostitutas, negros, brancos. Um público assim diverso raras vezes foi visto num evento em Brasília, disseram pessoas que moram na cidade há anos. As reações foram muito lindas.”
A ativista visual lembra que todas as pessoas que fotografou viveram o mesmo preconceito. “Dá pra contar numa mão as que não tiveram problemas com os pais, a escola. Isso para não falar dos travestis, um mundo dificílimo, que precisa de enorme coragem para viver, assim como transgêneros e transsexuais. Mas que atinge também gays e lésbicas.” Apesar das mudanças, ainda há muito preconceito. “Um filme como Carol http://outraspalavras.net/destaques/na-disputa-pelo-oscar-dois-filmes-desiguais/ é um passo muito importante para mudar esse cenário.”
A intimidade com as falas e imagens de seus fotografados/as, clicados sós, mães e filhos, amantes, foi uma experiência transformadora para ela. “Aprendi muitíssimo com eles, e expresso a minha gratidão. Aprendi que pra viver a liberdade e a diversidade tem muito sofrimento, mas não precisa ser assim… Procuro oferecer respeito e honrar a vida, é o que gosto de fazer.”
Ines Castilho
Writer and journalist at Outras Palavras